“(…) então é isso: sem moeda, mas você ainda tem você.”
Eu seguia para mais um encontro com alguém que, nas últimas semanas, havia trazido uma nova revoada de borboletas para habitar um estômago cansado de amar errado. Como sempre acontece em primeiros encontros, minha garganta dá um nó, a barriga gela e não sei o que fazer com as mãos, mas nada disso é ruim: é um credo-que-delícia que prenuncia algo bom, um nervosismo típico de me colocar numa situação nova, num risco que pode trazer como frutos, talvez, a próxima história de amor que vai virar meu mundo de cabeça pra baixo. Na maioria das vezes é apenas mais um encontro, nem bom nem mau (tem também aqueles que de fato me deixam feito terra arrasada depois), mas não vim falar sobre um nem outro: vim falar sobre mim. Era eu ali, subindo a rua em direção àquele com quem tinha tido longas conversas sobre filmes franceses, meu encanto com dias de céu nublado na praia e a matemática errática dos amantes, e agora eu saberia que cheiro dá para sentir de seu perfume quando ele cumprimenta alguém chegando bem perto, se ele conversa olhando nos olhos, se ele também agradece quem serve nosso café e se a sua altura é compatível com a minha minha.
Enquanto tudo isso passava pela minha cabeça e eu subia a rua apressada com receio de estar atrasada, tinha outro pequeno medo que me rondava: e se eu não gostar dele? E se não tivermos química, e se os ventos baterem de forma contrária, e se ele ainda estiver muito magoado de seu relacionamento anterior e me dizer tudo só agora, e se a gente decidir ser só amigos e eu tiver que contar de novo da minha vida para mais.uma.pessoa? “Eu ainda tenho a mim. Eu ainda tenho a mim”, repeti a mim mesma em silêncio. Fui eu que fui capaz de criar essa conexão mágica com ele desde os primeiros instantes, sou que enxergo galáxias inteiras num olhar, sou que consigo construir casas e castelos com o (às vezes tão pouco) que me dão, sou que crio jardins completos a partir de uma semente. Não são eles: sou eu.
A frase que começa o texto de hoje encerrava um trecho de um capítulo do livro que li agora em agosto, e foi uma das que mais reverberou aqui. Sem me estender demais sobre o que se trata a tal colocação (já que existe toda uma anedota ali que leva a isso), o que importa é que ela conclui a história da autora em busca de algo concreto que irá materializar um sentido para sua vida, quando alguém de fora lhe mostra que, mesmo sem ter encontrado o que ela procurava, ela ainda tinha a si mesma. E talvez estivesse exatamente aí o tal tesouro – e não na concretude da moeda que ela desesperadamente tentava localizar.
Essa frase não é desenvolvida posteriormente, já que o capítulo logo emenda uma outra situação vivida na sequência, mas foi ela que reorganizou um monte de coisas aqui dentro: talvez eu não encontre tudo o que eu esteja procurando, talvez as respostas não venham mesmo da forma fácil ou rápida como eu gostaria, talvez não existam esses tesouros que eu sigo buscando. Mas eu ainda tenho a mim.
Existe um misto de alegria e alívio ao descobrir que sempre terei a mim, não importa quantas tormentas eu atravesse: não que eu seja totalmente satisfeita com a minha companhia 100% do tempo, que não tenha defeitos ou características próprias que mudaria se um gênio da lâmpada aparecesse aqui agora me dando essa oportunidade. Não sou feliz o tempo inteiro, e adoraria ter o poder de transformar coisas em mim se fosse possível, claro: sou humana. Mas também já me conheço suficientemente bem para entender a dor e a delícia de ser quem eu sou e de me acompanhar em tantas aventuras e histórias, do conforto de saber que crio mundos inteiros com o que existe apenas dentro de mim, dos encantos de nunca me sentir só quando estou sem companhia porque o que tenho comigo mesma é o bastante.
– Filho, vamos em outra praça? Essa não tem brinquedo.
– Tem sim, mãe: tem brinquedo dentro de mim.
Essa deliciosa mini-poesia compartilhada pela querida Luiza Voll ilustra algo que eu sempre soube de certa forma, embora não tivesse conseguido elaborar tão bem quanto seu poeta-prodígio: que já temos conosco tudo o que precisamos para brincar e criar. Que alegria reconhecer que já carregamos conosco as ferramentas necessárias para construir universos todinhos a partir de poeira de estrelas, que basta um olhar curioso para ver numa luz que bate diferente através das folhas das árvores uma estampa que jamais havíamos imaginado, que podemos trocar a perspectiva para desenhar um horizonte totalmente inédito, que se a gente mantém os olhos abertos e o peito descoberto, existem muitos mundos no mundo.
Eu sou apenas eu: esta é a minha única opção possível. Não sei como é ser outra pessoa nem falar de outro lugar que não o meu. "Todo ponto de vista é a vista de um ponto", diz uma frase que vi dia desses. É uma benção e um privilégio fazer parte de uma família, de um grupo (ou uma dupla ;) de amigos, de um casal, de uma comunidade. Mas não "temos" as pessoas: temos o que compartilhamos com elas (e que já é infinito, imenso); porém, ter mesmo a gente só tem a gente: e isso é tudo. Nos carregamos conosco pro resto da vida e talvez esteja aí mesmo nosso grande tesouro: um brinquedo dentro da gente.
ᡣ𐭩 DO ARQUIVO:
o drops escolhido do arquivo é vinculado ao tema de hoje, tem uma reflexão que adoro sobre “uma refeição existencialista” e um monte de links sortidos e queridos sobre manipulação da informação, nossa busca por conexão, girl power e a poesia nossa de cada dia:
ᡣ𐭩 DOS EXCLUSIVOS:
o último drops para assinantes pagos fala sobre mergulhos no vazio e os ecos dos silêncios que encontramos do outro lado dos nossos apelos. tem também compilado de links com overdose de olimpíadas, the bear, amar como arma política, borboletas atravessando o oceano e otras cositas más:
Ambos os textos (assim como tudo o que está no arquivo completo), estão disponíveis apenas para os assinantes pagos, e eu adoraria que você considerasse contribuir com esses drops ♡ Por R$ 10,70 mensais você já tem acesso a tudo o que foi enviado de 2016 até hoje (mais de 150 newsletters!) e à edição extra enviada todo mês (com um texto mais pessoal e curadoria de links).
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seguir pela vida de olhos bem abertos
agora uma pausa rápida para um momento auto-jabá: trabalho há duas décadas com conteúdo online e impresso e, de uns tempos para cá, comecei a produzir material para amigos e conhecidos como "ghost writer": desde textos para newsletters corporativas até posts e reels. tem sido algo que tenho gostado muito de fazer e tem me trazido novas oportunidades e perspectivas (além de ajudar a pagar os boletos né? que todos temos, não podemos negar haha ;)
também faço curadoria de materiais para relatórios e guias personalizados para são paulo, após anos e anos de experiência acumulada no rent a local friend desde 2009 (tem alguns exemplos e matérias aqui).
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por hoje é só. espero que seja uma grande alegria (re)descobrir os brinquedos dentro de você, e que eles te tragam novas possibilidades e experiências.
e agora, quais frios na barriga setembro te traz? do lado de cá, sempre a possibilidade de novos encontros e de criar outros mundos que eu ainda nem sabia serem possíveis.
obrigada por chegar até aqui,
e até a próxima!
Que lindeza de texto! 💓