“Como um divórcio em miniatura”, li certa vez. É uma expressão curiosa, embora acertada, para definir um tipo de ruptura que vivemos bastante na vida adulta: o distanciamento das amizades. Tem sido um assunto recorrente de conversas recentes que tive e, mesmo que a gente viva tudo de forma distinta, é também de forma bem igual: uma dor universal.
“Vi dia desses alguém que outrora foi grande amigo. Na calçada oposta, num álbum antigo de fotos ou num perfil atualizado de rede social. Foi ele, mas poderia ter sido ela, ou eles. Foram tantos, já. Pessoas que passam por nossas vidas por alguns dias, às vezes anos até, e depois evaporam. Perdemos os contatos, os laços. Certas vezes mais o segundo do que o primeiro, já que, com a infinidade de meios para nos comunicarmos hoje em dia, maneiras de se achar velhos conhecidos é que não faltam. Mas nem sempre podemos, ou queremos. As pessoas mudam, seres humanos evoluem, eu envelheço. Estranho ver alguém que, em certa época da vida, já foi confidente, de trocar segredos, de abraçar apertado, de ligar pra pedir favor e emprestar consciência. E hoje é um desconhecido. Alguém que vejo em imagens recentes e não reconheço o olhar, alguém que vejo num novo círculo de amigos e não há traço familiar. Alguém que já soube de minhas dores, risos e desamores, das minhas rimas cafonas, das inseguranças noturnas e paixões oblíquas. Mas uma pessoa que hoje nem mais o nome me soa próximo. Como uma roupa usada da coleção passada, que ficou pequena ou gasta com o tempo: não cabe mais e tampouco reconhecemos sua utilidade no presente, sequer há falta ou ausência latente – se houvesse, teria mantido junto, e não sumido. Mas já fez parte de alguma história, da minha vida. De mim.”
Este texto eu publiquei tem mais de quinze anos, e ainda lembro exatamente em qual amigo pensava enquanto o escrevia – e como me doeu aquele abismo que se abriu em nossa relação, sobre o qual nunca falamos. "Os amigos são a família que a gente escolhe", nos dizem, então acreditamos que eles estarão lá "para sempre", já que família mesmo de sangue a gente não tem muita escolha de fato, e relacionamentos amorosos sempre sabemos, lá no fundo, que podem acabar um dia, como já aconteceu tantas e tantas vezes (às vezes bem lá no fundo mesmo, porque quando estamos perdidamente apaixonados achamos que desta-vez-vai-ser-diferente). Com amigos, não: parece que encontramos um lugar seguro onde podemos ser nós mesmos e que ele permanecerá sempre ali, nosso refúgio confortável de diversão, liberdade, afeto e entrega. Só que não.