Num aniversário meu uns anos atrás, uma das minhas melhores amigas me disse algo que eu nunca mais esqueci: “eu desejo que você tenha desejos”. Ela poderia ter feito votos para que eu tivesse mais amor, saúde, sorte, sucesso, ou qualquer coisa que desejamos às pessoas que amamos “nesta data querida” — sentimentos bons, de abundância, conquista, realização, felicidade. Mas não: de certa forma, ela me desejou a falta. Uma falta que nos move adiante: ter desejos. Fome. Buscar preencher um espaço que está ali vago. Um norte.
Tudo bem que estamos falando sobre uma psicanalista (minha amiga), que entende melhor do que os leigos (eu!) sobre como os desejos e a falta moldam todas as nossas escolhas e o lugar que ocupamos no mundo; mas mesmo eu não compreendendo em tamanha profundidade ou dimensão o espaço que esses vazios ocupam dentro da gente, ainda assim me vejo refletindo bastante sobre esses impulsos e para onde eles me levam.
Sou eu que quero isso, ou me fizeram pensar que eu quero?
Não vivemos uma realidade desvinculada de contexto: nós habitamos este mundo, dentro desta sociedade, que o tempo todo nos diz que somos insuficientes e, olha só, existe uma solução para isso ali no próximo carrinho de compras. Que sabemos não ser verdade na teoria, mas na prática como lutar contra todo um sistema tão complexo e bem articulado né?
E vem daí também bastante do que acredito ser a razão atual de tanto desencontro nas vidas afetivas, de romances voláteis e amores líquidos: uma busca pelo que não pode ser oferecido pelo outro. Acho que muito desse desencaixe vem de acreditarmos que esse vazio é um lugar desocupado, aguardando ser preenchido por algo ou alguém. Não é. Ele faz parte da gente: um vazio é um espaço para a criação.
“(…) Para a psicanálise, a falta não é defeito - é estrutura. O desejo nasce dela. E o amor, longe de preencher essa ausência, é o encontro possível entre dois seres igualmente marcados pelo vazio. Não é a completude que nos une, mas a delicadeza de podermos compartilhar o que nos falta. E sim, isso é angustiante. Mas também é lindo.”
(Carol Tilkian, aqui)
A gente passa uma vida toda procurando algo que nos preencha, algo que complete o que acreditamos que nos falta. Sentimos essa necessidade angustiante de ocupar todos os espaços vazios e, quando finalmente encontramos algo que se encaixa ali, descobrimos que não é aquilo que irá tapar esse buraco. Porque ele faz parte da nossa existência, precisamos dele. É ele que nos conduz além. Se ele estiver “preenchido”, sentiremos outra espécie de vazio e descontentamento: para onde vou agora? Sempre haverá uma falta. E que bom que ela existe: ela nos lembra de que estamos vivos, aqui, hoje. Pulsando.
“Há sempre um vazio que a gente não consegue preencher, e talvez seja essa mesma a razão da nossa existência.”
(Elza Soares)
Li essa frase uns anos atrás, e a carrego comigo até hoje. Eu adoro como ela ressignifica a ausência como essa presença que faz parte da existência humana: essa ausência não é um vazio a ser preenchido ou um buraco a ser sublimado, ela representa a busca que nos move, que nos tira da cama e nos coloca brilho no olho. Ela faz parte de mim.
Eu desejo ter desejos, e desejo que eles sigam guiando meus passos. Espero que você também.
ᡣ𐭩 DO ARQUIVO:
o drops escolhido do arquivo de hoje é sobre minha tentativa de canalizar minha energia quando as notícias do mundo cobram demais da gente. tem ainda links sortidos e queridos sobre os acontecimentos daquela semana (seis anos e meio atrás, outra vida), política, poesia cotidiana e #girlpower:
ᡣ𐭩 DOS EXCLUSIVOS:
o último drops para assinantes pagos fala sobre uma nova perspectiva que ganhei a respeito de limites por conta de algo que uma amiga falou. tem também compilado de links com pais que agem como pais em qualquer situação (MESMO), arte em lugares inusitados, uso da IA, a função do rebite nas calças jeans, dieta do fim do mundo e mais. vem cá:
Ambos os textos (assim como tudo o que está no arquivo completo), estão disponíveis apenas para os assinantes pagos, e eu adoraria que você considerasse contribuir com esses drops ♡ Por R$ 10,70 mensais você já tem acesso a tudo o que foi enviado de 2016 até hoje (mais de 150 newsletters!) e à edição extra enviada todo mês (com um texto mais pessoal e curadoria de links).
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“só se vê algo pela primeira vez uma única vez”
registrar pra não esquecer:

por hoje é só. eu desejo que você tenha desejos. e que eles continuem a te mover adiante.
obrigada por chegar até aqui,
e até a próxima!
Ai que lindeza ✨